Quando eu era menor, eu fiz um altar no fundo do meu
armário, embaixo das calças e macacões pendurados, bem escondido e protegido.
Minha mãe me deu uma estátua da Virgem Maria com o rosto quebrado e remendado
com cola e eu juntei algumas tralhas religiosas ao longo do tempo – algumas
imagens de santos, um terço e alguns objetos pessoais que não tinham relação
religiosa, apenas sentimental, como bichos de pelúcia. Tudo aquilo me parecia
um belo altar e à noite, ou sempre que eu sentia necessário, eu me abaixava e
rezava. Fiz isso por muito tempo, mas não me lembro de quando eu o destruí.
Lembro até quando minha avó paterna ironicamente me
presenteou com um urso de pelúcia que rezava o Pai Nosso – a ironia está no
fato de que meu pai, seu filho, sempre foi o ser humano mais cético e ateu que
eu conheço. Lembro-me que ele não fez sucesso por muito tempo, pois naquela
época eu já estava repensando tudo aquilo, não sei qual foi o gatilho. Só sei
que com o tempo eu me desfiz da religião, tirei o altar e pensava em como tudo
aquilo era babaca. Por que eu deveria me abaixar e rezar por alguém que não
estava lá por mim? Eu estava viva, sofria e sorria por mim mesma e nunca tive
bem certeza de pra que tudo isso – por que eu estaria no mundo? Sempre acreditei
no acaso, de que talvez tudo isso fosse só uma brincadeira do universo e que do
nada o Mundo se fez e os homens apareceram e que tudo saiu do controle e virou
isso. Não é bem a melhor visão de vida, tenho que admitir, porém sempre foi
assim que funcionou pra mim.
Soa-me prepotência ter certeza que eu estou aqui por um
motivo maior, que eu nasci pra ser “A Pessoa”. Nunca acreditei que eu nasci pra
ser alguém especial – e talvez eu realmente seja só mais uma, assim como
bilhões de outros “só outros”. Mas isso
não me limita acreditar que eu possa ser alguém melhor, que eu possa ser tudo o
que eu sempre quis, desde o tempo daquela menininha ajoelhada na frente do
armário. Talvez eu morra amanhã atravessando a rua e não tenha nada de especial
para escrever na minha sepultura (“Camila – filha amada e irmã querida”, assim
como milhões de outros-outros), porém talvez exista uma pequena chance de eu
me tornar alguém; alguém maior e melhor do que eu já fui e eu mude alguma
coisa, nem que seja só na minha vida ou de alguém próximo – e eu gosto dessa
possibilidade. Não gosto de deixar tudo ao acaso e sei que de tudo o que pode
acontecer na minha vida, tudo começa comigo; depende de mim. E é isso que me
faz acreditar em mim e continuar... E é por isso que meu altar ficou para trás,
mas eu não.
Eu não acredito em Deus. Não acredito mesmo querendo ter
algo em que me agarrar e ter esperanças – eu preciso acreditar em algo para
poder continuar quando tudo se vai. E nesse vazio de fé, eu me agarro em mim
mesma, agarro com fervor na possibilidade que eu mesma possa ser minha
“salvadora”, possa me trazer felicidade e esperança; possa ser tudo o que eu
preciso. E preciso acreditar que isso é verdade, acreditar que nem tudo está
perdido e que eu posso prevalecer apesar do que for.