sábado, 13 de abril de 2013

septuagésimo oitavo ~

[Pequeno adendo de um grande sentimento]

Poucas coisas me parecem tão delicadas quanto minha vó cuidando do meu vô em silêncio – não porque as vozes dizem coisas desnecessárias, mas pois o amor se faz possível de transbordar no momento em que ninguém o vê. Ninguém o obriga a se mostrar, a provar sua veracidade e força, então ele apenas existe inundando a sala com seu singelo sentimento.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

septuagésimo sétimo ~


Quando eu era menor, eu fiz um altar no fundo do meu armário, embaixo das calças e macacões pendurados, bem escondido e protegido. Minha mãe me deu uma estátua da Virgem Maria com o rosto quebrado e remendado com cola e eu juntei algumas tralhas religiosas ao longo do tempo – algumas imagens de santos, um terço e alguns objetos pessoais que não tinham relação religiosa, apenas sentimental, como bichos de pelúcia. Tudo aquilo me parecia um belo altar e à noite, ou sempre que eu sentia necessário, eu me abaixava e rezava. Fiz isso por muito tempo, mas não me lembro de quando eu o destruí.
Lembro até quando minha avó paterna ironicamente me presenteou com um urso de pelúcia que rezava o Pai Nosso – a ironia está no fato de que meu pai, seu filho, sempre foi o ser humano mais cético e ateu que eu conheço. Lembro-me que ele não fez sucesso por muito tempo, pois naquela época eu já estava repensando tudo aquilo, não sei qual foi o gatilho. Só sei que com o tempo eu me desfiz da religião, tirei o altar e pensava em como tudo aquilo era babaca. Por que eu deveria me abaixar e rezar por alguém que não estava lá por mim? Eu estava viva, sofria e sorria por mim mesma e nunca tive bem certeza de pra que tudo isso – por que eu estaria no mundo? Sempre acreditei no acaso, de que talvez tudo isso fosse só uma brincadeira do universo e que do nada o Mundo se fez e os homens apareceram e que tudo saiu do controle e virou isso. Não é bem a melhor visão de vida, tenho que admitir, porém sempre foi assim que funcionou pra mim.
Soa-me prepotência ter certeza que eu estou aqui por um motivo maior, que eu nasci pra ser “A Pessoa”. Nunca acreditei que eu nasci pra ser alguém especial – e talvez eu realmente seja só mais uma, assim como bilhões de outros “só outros”.  Mas isso não me limita acreditar que eu possa ser alguém melhor, que eu possa ser tudo o que eu sempre quis, desde o tempo daquela menininha ajoelhada na frente do armário. Talvez eu morra amanhã atravessando a rua e não tenha nada de especial para escrever na minha sepultura (“Camila – filha amada e irmã querida”, assim como milhões de outros-outros), porém talvez exista uma pequena chance de eu me tornar alguém; alguém maior e melhor do que eu já fui e eu mude alguma coisa, nem que seja só na minha vida ou de alguém próximo – e eu gosto dessa possibilidade. Não gosto de deixar tudo ao acaso e sei que de tudo o que pode acontecer na minha vida, tudo começa comigo; depende de mim. E é isso que me faz acreditar em mim e continuar... E é por isso que meu altar ficou para trás, mas eu não.


Eu não acredito em Deus. Não acredito mesmo querendo ter algo em que me agarrar e ter esperanças – eu preciso acreditar em algo para poder continuar quando tudo se vai. E nesse vazio de fé, eu me agarro em mim mesma, agarro com fervor na possibilidade que eu mesma possa ser minha “salvadora”, possa me trazer felicidade e esperança; possa ser tudo o que eu preciso. E preciso acreditar que isso é verdade, acreditar que nem tudo está perdido e que eu posso prevalecer apesar do que for.