quarta-feira, 14 de julho de 2010

sexagésimo quarto ~

É, eu sei, estou num dia de reminiscências mesmo, mas parece que tenho necessidade de lembrar de certas coisas que estão apagadas na minha memória.
Dessa vez lembrei do sopão do centro da cidade.

Minha mãe trabalha em uma empresa que, de vez em quando, fazia uma noite de sopão para os pobres. Em uma dessas vezes, eu e minha irmã fomos para ajudar.
Era bem simples e organizado, bem coisa de filme mesmo. Panela enorme lotada de sopa, fila de moradores de rua esperando a sua vez, pratinho de plástico fundo. Se eu não me engano, eu ficava dando o pedaço de pão. Bom, seja como for, eu estava passando por entre um grupo de moradores de rua se deliciando na sopa quente na noite fria, quando um homem acabou derrubando o prato, e assim toda a comida foi parar no chão.
Quando eu cheguei para ajudá-lo, ele já estava juntando toda a sopa no chão e tentando, numa tentativa falha, colocá-la de volta no prato, para comer novamente. Lembro-me bem do desespero que ele ficou, e na angústia que isso me deu.
''Não, moço, não pega do chão! Eu vou pegar outro prato cheio para você!''
Mas ele continuava! AAAAAAHH, que sensação horrível.
No final eu simplesmente peguei um prato novo com mais pão para ele.
Lembro da minha vontade de chorar, e de abraçá-lo forte...
Lembro-me de todas as sensações, mas não consigo recordar o rosto dele.

2 comentários:

Rafael disse...

é, às vezes a gente lembra tudo, menos o rosto da pessoa...

Ceres disse...

"reminicência": gosto dessa palavra, é sonora...

Você não lembra de seu rosto porque ele não é importante. O rosto não é importante porque o homem não era importante. Não era repugnante nem nojento que aquele homem comesse a comida que caíra no chão, repugnante era a ideia de alguém fazê-lo, era o espírito da situação. Lembras da tua sensação porque, isso sim, era imporante.

P.S.: Viajo muito em suas fotos; me ensina a fazer assim? hahah